O céu de Agosto

_”Estou bem. Está tudo bem” – é o que dizia a si mesma, toda manhã, ao lavar seu rosto e se olhar no espelho, na tentativa que a água fria despertasse uma vontade de viver que sabia estar adormecida em si.
São 5:00 da manhã e o céu invernal ainda está escuro. O vento Sul frio entrando pela fresta da janela resfriou seu corpo durante a noite e sensação ao acordar foi de ter saído do mar gelado a pouco. “Preciso consertar isso e a rede de proteção ainda hoje”, pensou consigo.

Quem a visse de fora e olhasse com curiosa atenção pensaria que ela estava a dançar um estranho balé. Cada movimento cotidiano parecia sincronizado com uma melodia inaudível. Vestiu-se, calçou-se e recolhia as ferramentas necessárias.

Sentou-se no parapeito, tentando encaixar as pontas da rede solta no ganchinhos fixados na moldura da janela. O vento amainara e o sol tingia o horizonte de vermelho. Ver todas aquelas estrelas e Vênus no firmamento era de tirar o fôlego. Pensou em todas as mulheres que já se sentaram a janela ao alvorecer e desfrutaram daquela visão. Algo tão antigo e belo, sendo compartilhado todas as manhãs com quem estiver disposto.

Foi nesse momento de êxtase, assim que as aves começaram a voar e cantar estrondosamente, que a música parou. O ar parecia tão denso e cheio de ruídos que distraía a atenção da valsa muda que outrora nos fascinava.

Enfim, com um gesto tão tímido e delicado como o bater de asas de uma borboleta adormecida, ela deixou-se cair. 3 andares nunca pareceram tão distantes do chão, de olhos fechados, pensou ter atravessado o núcleo da terra.  Ao abri-los, poderia contar quantas abelhas voavam perto de uma colmeia e saberia dizer em quais galhos do salgueiro ainda haviam flores e ainda assim não teria passado um único andar.

Derramou-se em todas as direções, regando as flores naquela manhã. Ficou assim por um tempo incontável até dar-se conta que poderia se atrasar.

Subiu para seu quarto deixando atrás de si um rastro de água. Um banho gelado nunca foi tão bem-vindo.